20.1.14

as moças nos cafés são simpáticas por profissão

vou-me deitar uma vez que a vida é também
termos que nos deitar, às vezes. há estatísticas
do tempo médio que se passa a dormir. há
estatísticas para tudo e para o sono também.
a minha voz é uma estatística e o meu coração,
outra. e estou à beira de um rio cuja corrente
esverdeada corre depressa e o meu coração,
de uma forma pouco científica e logística,
tem o peso suficiente para se ancorar no
fundo, com o resto do corpo preso à sua
volta, os cabelos e os olhos de família a
fugir na direcção da água e na cama a estatística
só me diz que durma, que feche as persianas
e acondicione os objectos de porcelana nos
seus armários, pois a água que se avizinha
quebrá-los-á, de contrário. a ciência diz-me
que me preocupe com as coisas frágeis dentro
das caixas -- este lado para cima: FRÁGIL --,
diz-me que me preocupe com o meu crânio
pois lá dentro tem a porcelana dos olhos
e da língua e dos dentes. durmo com as mãos
cobrindo a boca ao jeito de quem protege
os dentes de pedras. o coração afunda-se
devagar na água e arrasta o corpo consigo.
a ponta dos dedos engelha na profundidade
aquática. há uma estatística para as horas de sono.