30.3.16

a nível de trabalho ao fim-de-semana

dança com os mortos das fotografias, pergunta-lhes quantos
dias lhes durava uma onça de tabaco (30g), a que
cafés iam e com quem conversavam.
não é para todos, entender a linguagem dos mortos,
compreender o que responder; é necessário um grau
de loucura que quase toque no limiar da estupidez:
é necessária a idiotice. a barba e o cabelo dos
mortos é o que resta.
nem caroços da maçã do corpo, nem nada. quartos
vazios, estruturas do que foram camas, traças no
que outrora foram lençóis.
noutro texto disse
"nenhum morto sabe dizer 'lençóis', quando falares,
diz antes 'cobertas'."

28.3.16

English (United Kingdom)

cheira a óleo vegetal queimado em todas as divisões da casa
quando acabo de fritar batatas. tenho sereias na borda do
prato: redundâncias gigantescas, descomunais; espinhas, ossos,
nervuras. com a fome, acabam-se também os olhos dos peixes.
engulo tudo, um sémen de comida e água e vinho tinto. algures
um amigo atirando pombos do alto de um prédio. "a minha
poesia é melhor que a tua" num rolo na pata dos pombos, à
minha janela.
reconheço que sim.

soma

era uma quebra de linha
no silêncio
era um vestido num corredor
à noite num
filme da década
de cinquenta
com o Vincent Price.

27.3.16

junho

não é tempo para pés nem para pernas e não é tempo
para os outros (quem são os outros?)

tudo arde em itálico, no terraço, duas pessoas perguntam
coisas, uma responde; uma é hiperactiva, outra tem
dislexia, a terceira sofre de anorexia nervosa. todas
pensam em línguas dentro da boca, as línguas ocupam
demasiado espaço, dentro das cabeças, mais do que se
julga. mãos nos parapeitos, pés dentro de chinelos,
a língua dentro da boca, enjaulada nos dentes.

não é tempo para poesia nem para palavras, é tempo
para dormir.