tag:blogger.com,1999:blog-12364884796623171162023-06-21T04:58:52.323+01:00lonely gigolo"the best part was/pulling down the/shades/stuffing the doorbell/with rags/putting the phone/in the/refrigerator/and going to bed/for 3 or 4/days./and the next best/part/was/nobody ever/missed/me."Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.comBlogger258125tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-21452424816839707782016-05-17T15:00:00.001+01:002016-05-17T15:00:53.315+01:00se alguém me levasse até ti eu ia<br />
sem questionar nada<br />
mas não posso não só por ter<br />
quem me leve<br />
não posso porque estamos num<br />
processo de recuperação - estamos<br />
a recuperar o que ganhámos e<br />
perdemos, o que nos demos e<br />
o que nos tirámos. o que tu<br />
levaste quase sozinha meu amor.Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-53405989068731237882016-04-22T16:37:00.001+01:002016-04-22T16:37:43.689+01:00leopardo <p dir="ltr">arrelio-me porque o jantar vem frio e são restos de há<br>
dois dias mas, como tenho fome, não tenho a propriedade <br>
de me queixar. levo o garfo ao prato e encho a boca<br>
de arroz e de carne, os olhos revoltados, chorando,<br>
tenho de me recordar dos meninos famintos morrendo<br>
nos países de terceiro mundo. e engulo. engulo tudo. </p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-10186024997765228452016-04-06T14:52:00.001+01:002016-04-06T14:52:10.117+01:00este lado <p dir="ltr">espero que um dia uma lâmina<br>
de vidro nos abra a cabeça<br>
e todo o ruído deixe de<br>
incomodar, de fazer ferida.<br>
espero que um dia me perdoes.</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-84268452593017056792016-03-30T14:46:00.001+01:002016-03-30T23:14:29.582+01:00a nível de trabalho ao fim-de-semana <p dir="ltr">dança com os mortos das fotografias, pergunta-lhes quantos<br>
dias lhes durava uma onça de tabaco (30g), a que<br>
cafés iam e com quem conversavam.<br>
não é para todos, entender a linguagem dos mortos,<br>
compreender o que responder; é necessário um grau<br>
de loucura que quase toque no limiar da estupidez:<br>
é necessária a idiotice. a barba e o cabelo dos<br>
mortos é o que resta.<br>
nem caroços da maçã do corpo, nem nada. quartos<br>
vazios, estruturas do que foram camas, traças no<br>
que outrora foram lençóis.<br>
noutro texto disse<br>
"nenhum morto sabe dizer 'lençóis', quando falares,<br>
diz antes 'cobertas'."</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-87415284705725708052016-03-28T21:35:00.001+01:002016-03-28T21:35:22.839+01:00English (United Kingdom)cheira a óleo vegetal queimado em todas as divisões da casa<br />
quando acabo de fritar batatas. tenho sereias na borda do<br />
prato: redundâncias gigantescas, descomunais; espinhas, ossos,<br />
nervuras. com a fome, acabam-se também os olhos dos peixes.<br />
engulo tudo, um sémen de comida e água e vinho tinto. algures<br />
um amigo atirando pombos do alto de um prédio. "a minha<br />
poesia é melhor que a tua" num rolo na pata dos pombos, à<br />
minha janela.<br />
reconheço que sim.Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-83245940098378293292016-03-28T16:48:00.001+01:002016-03-28T16:48:38.401+01:00soma <p dir="ltr">era uma quebra de linha<br>
no silêncio<br>
era um vestido num corredor<br>
à noite num<br>
filme da década<br>
de cinquenta<br>
com o Vincent Price. </p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-7305743869038056252016-03-27T23:57:00.000+01:002016-03-27T23:57:26.109+01:00junho<i>não é tempo para pés nem para pernas e não é tempo</i><br />
<i>para os outros (quem são os outros?)</i><br />
<br />
<i>tudo arde em itálico, no terraço, duas pessoas perguntam</i><br />
<i>coisas, uma responde; uma é hiperactiva, outra tem</i><br />
<i>dislexia, a terceira sofre de anorexia nervosa. todas</i><br />
<i>pensam em línguas dentro da boca, as línguas ocupam</i><br />
<i>demasiado espaço, dentro das cabeças, mais do que se</i><br />
<i>julga. mãos nos parapeitos, pés dentro de chinelos,</i><br />
<i>a língua dentro da boca, enjaulada nos dentes.</i><br />
<br />
<i>não é tempo para poesia nem para palavras, é tempo</i><br />
<i>para dormir. </i>Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-46285849116408201662016-02-14T13:58:00.001+00:002016-02-14T13:58:12.459+00:00?<p dir="ltr">vedo as janelas nos dias de tempestade<br>
quando dizem no noticiário expressões como<br>
"alerta vermelho"<br>
mas nunca aprendi a vedar o coração<br>
nunca vou aprender como </p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-46117338534411136292016-02-14T01:07:00.003+00:002016-02-14T01:07:50.602+00:00durmo como uma pedra que caicaio como um pássaro que chora<br />
e caminho como uma arma descarregada;<br />
doo dentro das noites como uma arma que chora,<br />
escorrego como um sono que cai.<br />
falo como um húmus que cola as linhas do poema<br />
anoiteço como uma costura que ama tudo<br />
o que não devia. durmo como um peixe que<br />
arde, sonho como uma mulher que sangra. Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-91286100376014287622016-02-09T13:56:00.001+00:002016-02-09T13:56:10.728+00:00<p dir="ltr">não é qualquer café que faculta pau de canela,<br>
diz o rapaz de barba que me disse boa tarde.<br>
e tem toda a razão, não é qualquer café que<br>
faculta, não é qualquer pessoa que faculta, por<br>
vezes ficamos sozinhos sem que tivéssemos escolhido<br>
ficar sozinhos e ninguém faculta nunca nada </p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-26134930551675989892016-01-23T11:24:00.001+00:002016-01-23T12:49:38.531+00:00retroescavadora<div dir="ltr">
sou uma flor vermelha e preta silenciosa de<br />
amor deslocado. nunca penteei o cabelo, algumas<br />
pessoas dizem-me que gostam dele assim.<br />
não confio nas pessoas, não tomo por verdadeiras as<br />
coisas que me dizem. a verdade é o tabaco a<br />
fazer com que as engrenagens da minha alma<br />
se movam, ainda que à custa da destruição<br />
e da morte do corpo. sou uma flor pisada e<br />
magoada de amor desperdiçado, vermelha e preta,<br />
encarnada e negra; no meu sangue há<br />
óleo e álcool, há corantes e conservantes,<br />
há formaldeído e cianeto de hidrogénio. <br />
sou eu quem fala, quem ri sozinho, doente, no<br />
meio das mulheres nuas, na casa de putas;<br />
sou eu quem grita, quem fecha a porta do<br />
texto às palavras que, de flor, não têm <br />
nada. vejo-me uma flor vermelha, preta, um<br />
peixe prateado reflectindo relva e ar.</div>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-33015576413911880372016-01-21T15:24:00.001+00:002016-01-21T15:24:20.101+00:00palma das mãos à noite<p dir="ltr">talvez apareça uma outra mulher em cuja luz consiga descobrir o<br>
rosto, também destruída de tanto reconstruir o coração aos <br>
arrastões, violentamente como um pombo batendo no vidro de um<br>
carro. talvez um dia haja uma falésia, um precipício no lugar<br>
da dor de cabeça e alguma casa possa assemelhar-se a um lar, <br>
alguma cama abrigue sob a coberta as mãos que buscam.<br>
haja sempre mãos que no baixo ventre busquem. </p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-24928973341260243332016-01-18T13:12:00.001+00:002016-01-18T13:12:58.594+00:00k<p dir="ltr">fui de encontro às colmeias e colhi cera e mel<br>
e passei pelas garotas de dezasseis anos rente<br>
ao rio, rindo e vergastando as pernas umas<br>
das outras com vides secas (doem menos, as<br>
vides secas). não tenho bocas para alimentar, em<br>
casa, um pássaro, um peixe, bichos-de-conta<br>
que às vezes nascem do soalho. nas colmeias<br>
há abelhas desconcertadas com o fumo do tabaco,<br>
fugindo, estrelas cadentes pretas e amarelas, <br>
procurando no intervalo das vides as pernas das<br>
raparigas de dezasseis anos.</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-34079901461463467192015-12-20T17:06:00.001+00:002015-12-20T17:06:20.601+00:00<p dir="ltr">não sei se és tu nas fotografias que<br>
às vezes aparecem, que outras pessoas<br>
me trazem sem querer</p>
<p dir="ltr">quem me dera que fosses<br>
quem me dera que não fosses</p>
<p dir="ltr">não sei onde estás ou onde tocas mas<br>
procuro-te na improbabilidade<br>
das fotografias dos outros como<br>
se ainda fôssemos alguma coisa<br>
como se ainda pudéssemos ser<br>
qualquer coisa.</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-76972684490204530512015-12-13T02:04:00.000+00:002015-12-13T02:04:13.850+00:00electrónicao relógio em dezembro à noite incessante mas lento<br />
debaixo das escadas com o tempo todo para não fazer<br />
nada a atirar pedras de carvão para dentro de vasos<br />
sem terra a pensar nos incêndios que se atearam há<br />
tantos meses a pensar na morte de pavões dentro de<br />
contentores uns guinchos tristes de mamífero nos contentores<br />
aves soando a mamíferos por causa das úlceras e da<br />
morte<br />
é tão mais fácil falar da morte tão mais simples tão mais<br />
bonito no contexto poético da depressão que todos procuram<br />
ler<br />
<br />
a minha filha é livre de morrer abraçada a um pavão num<br />
contentor de ser encontrada pelos homens às cinco da manhã<br />
no meio de lingerie usada e jornais de há tantos meses<br />
<br />
a minha filha nua<br />
um copo de água<br />
uma aspirina<br />
o lado esquerdo<br />
do corpo<br />
todo<br />
apanhado<br />
debaixo das escadas com o tempo todo para não fazer<br />
nada para além de atirar pedras de carvão contra os pavões<br />
rir muito alto bater com as mãos nas paredes cantar<br />
coisas de que já ninguém se lembra<br />
inventar histórias às velhas e acreditar em todas as mentiras<br />
que se dizem<br />
<br />
a minha filha na água<br />
com uma aspirina e os<br />
pavões<br />
chorando petróleo<br />
guinchando<br />
na solidão<br />
no tempo<br />
no lugar<br />
no modoPedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-39919349749794764452015-12-09T23:31:00.001+00:002015-12-09T23:31:24.920+00:00cabo formado por uma elevada montanha<p dir="ltr">o café está queimado na língua e não<br>
acalma nem abafa o sabor<br>
do tabaco. é só café, só um modo<br>
cansado de falar das coisas,<br>
das feições da filha da<br>
cigana tão iguais às<br>
da filha da<br>
outra. o café queimado reúne-nos<br>
a todos, o tabaco,<br>
a vida a ir para esta merda.</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-77913983892386824422015-12-08T05:11:00.001+00:002015-12-08T05:11:56.692+00:00cattleya mossiae<i>j.</i> <br />
<br />
num lugar onde te lembres do pó que comemos<br />
mas também das laranjas<br />
a que chegavas a cheirar na escola e à conta<br />
das quais os miúdos te apontavam e riam<br />
sem que soubessem<br />
pois ninguém sabia ainda<br />
a música luminosa que te nasceria dos olhos<br />
e das mãos e das palavras<br />
ainda que hoje sejam ditas numa outra direcção<br />
<br />
num lugar onde caminhes sozinha e já não te<br />
veja nem reflectida nas costas de uma colher de<br />
chá<br />
e não me ouças por necessidade de esconder os<br />
ouvidos à angústia<br />
<br />
sempre num lugar onde o amor na água com os peixes<br />
desorientados<br />
e as minhas unhas arranhem areia no fundo do mar<br />
em busca de laranjas ou de palavras que ainda cheguem<br />
até ti mesmo que ténues<br />
farrapos de uma voz animal<br />
com que nos embalámos tantos dias dentro de tantos meses<br />
<br />
olha as feridas abertas tão férteis contra os vidros<br />
num lugar onde a memória não se apaga<br />
uma estrela longínqua morta há milénios mas<br />
cuja luz<br />
ainda<br />
até ao fim de parágrafo de um ser humanoPedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-55242363067085249562015-12-03T05:27:00.001+00:002015-12-03T05:27:02.231+00:00quadrado #8: telefone<i>T.</i><br />
<br />
lavo as mãos com a água mais fria que existe; és uma imagem distante,<br />
um rio de sangue menstrual em cima da cabeça de uma boneca, no chão<br />
de uma mata, tudo misturado com folhas e terra. vejo as tuas pernas<br />
despidas ao longe, de trás, nas fotografias. vejo um cancro de luz<br />
a destruir-me o tórax a partir de dentro, tenho fotografias com que o<br />
atestar. a preto e branco.<br />
lavo a fruta com a água mais fria que existe, levo-ta à boca com os dedos<br />
mais gastos que tenho, podemos comungar isto, pelo menos: a menstruação<br />
nas fotografias, os frutos, os cabelos, as pernas, as nádegas.<br />
enxaguo as palavras no gelo da água; conto-as, estendo-as ao sol, seco-as<br />
e só depois tas entrego, deito-as no teu colo esperando que importem,<br />
que tudo isto sirva um desígnio, um propósito.<br />
caminho no chão onde fotografaste a cabeça de uma boneca sobre as folhas,<br />
ando sobre a memória do sangue menstrual, espero que alguma<br />
estrada me leve até onde estejas; gasto todo o tabaco antes do tempo,<br />
o tempo, o tabaco<br />
deviam ser gastos onde as tuas mãos lavadas levassem à boca um copo<br />
de leite sem lactose. Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-35104927273807576102015-12-01T16:54:00.001+00:002015-12-01T16:54:02.677+00:00when the devil calls I'm gonna ride that train<p dir="ltr">quatro do onze, dezoito do onze, dezoito anos, dezoito buracos num<br>
jogo de golfe, dois homens a ler poemas do William Carlos<br>
Williams em voz alta, bêbados, que a poesia é para bêbados.<br>
dezoito copos de aguardente, dezoito copos de bebedeira,<br>
nenhum fígado.</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-33570082338905848962015-11-10T12:24:00.001+00:002015-11-10T12:26:33.453+00:00lama<p dir="ltr">em nenhuma margem<br>
de nenhum rio<br>
escrevi palavras<br>
como fiz nas margens<br>
dos livros</p>
<p dir="ltr">em nenhuma margem<br>
de algum mar</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-58641590980022323362015-10-20T17:51:00.001+01:002015-10-20T17:51:53.488+01:00pá(t)ria<p dir="ltr">o meu país é uma geração de casas<br>
a cheirar a aranhas, a cheirar a veneno.<br>
o meu país são bêbados a pedir cigarros, putos<br>
romenos a pedir esmola para não<br>
levarem porrada dos pais. o meu<br>
país são pessoas a falar alto nos cafés<br>
sobre motores e mulheres-coisas,<br>
o meu país são trocos nos bolsos<br>
para copos de tinto rasca, são<br>
carros parados nos passeios à<br>
frente das seguradoras, são<br>
velhos a apanhar sol como se fossem<br>
cães, são<br>
botins de vindimar deixados<br>
à entrada das casas. o meu país é estar-se<br>
deprimido porque nos deixaram sozinhos mas<br>
não se poder porque o mais importante<br>
é a televisão e a economia e as contas,<br>
a aritmética completamente deslocada<br>
num lugar onde se deviam dormir sestas e beber bagaço<br>
à noite, um lugar de estranhos abraçados<br>
uns aos outros nas adegas, nos salões<br>
de baile arruinados das casas senhoriais<br>
provincianas. o meu país é um pão<br>
com chouriço a arder num forno de pedra,<br>
o meu país são mulheres que se afastam sobre o mar,<br>
o meu país é um país de esperas,<br>
um país que anela freudiano por uma<br>
salvação escatológica saindo da neblina.<br>
o meu país são bichos cheios de pus e matemática e vozes.<br>
o meu país é uma metáfora, é um<br>
silogismo, é um poema cada década mais<br>
decadente. o meu país é uma dor de ouvidos.</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-77293745526926015622015-10-18T16:08:00.002+01:002015-10-18T16:08:57.328+01:00impromptu<i>quando te trouxerem a comida numa salva de prata</i><br />
<i>não te esqueças de a devolver num prazo de, pelo</i><br />
<i>menos, três semanas (no máximo, três semanas e</i><br />
<i>meia), fica parado a observar os camiões e os carros</i><br />
<i>a levar materiais e pessoas para o outro lado do</i><br />
<i>mundo, evita dever dinheiro, evita o tabaco dos</i><br />
<i>outros. quando te chamarem pelo nome tenta</i><br />
<i>lembrar-te, ao certo, de qual é o teu nome, deixa</i><br />
<i>que te chamem </i>princesa<i> e sorri, envergonhado,</i><br />
<i>quando te derem dois beijos no rosto e uma das</i><br />
<i>outras mãos te descer pelas costas até às</i><br />
<i>nádegas. devolve o que te dão, regurgita o que</i><br />
<i>te dão, constrói uma casa para pássaros,</i><br />
<i>observa os camiões passando na rua, fazendo</i><br />
<i>estremecer as fundações das casas, à noite --</i><br />
<i>e também de dia, mas sobretudo à noite --,</i><br />
<i>recorta datas de dentro das agendas e alimenta</i><br />
<i>os teus animais com bocados de papel e insectos.</i><br />
<i>nunca te esqueças de devolver o que te deram. </i>Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-16629126747869848482015-10-12T14:10:00.001+01:002015-10-12T14:11:48.940+01:00black sheep<p dir="ltr">das coisas mais assustadoras é a anormalidade,<br>
herbívoros silenciosos invadindo as cidades<br>
rente à noite,<br>
comendo carne nos becos e nas arcadas<br>
e junto aos caixotes do lixo.</p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-57655428846267824242015-10-03T19:33:00.001+01:002015-10-03T19:38:38.585+01:00geriatria<p dir="ltr">as velhas<br>
são dentes<br>
a ranger<br>
nas capelas<br>
rezando o<br>
santo terço<br>
do rosário<br>
batendo os<br>
dentes o<br>
queixo com<br>
um ritmo<br>
um sincronismo<br>
intangível de<br>
solidão e<br>
de amor<br>
e de<br>
doença não<br>
há como<br>
não amar<br>
as velhas<br>
dantes novas<br>
sem a<br>
preocupação da<br>
diabetes com<br>
o fogo<br>
na cona<br>
de saia<br>
arregaçada nos<br>
celeiros sem<br>
pensar na<br>
melodia solitária<br>
muitas décadas<br>
depois às<br>
dezoito e<br>
trinta nas<br>
capelas a<br>
pedir ao<br>
cristo saúde<br>
dinheiro melhorias<br>
várias ou<br>
a não<br>
pedir nada<br>
a estar<br>
ali apenas<br>
porque <u>sim</u></p>
Pedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1236488479662317116.post-82918738755985891142015-09-26T09:54:00.001+01:002015-09-26T09:54:23.166+01:00não temos porque lembrar as coisas não temos porque esquecer<br />
as coisas<br />
<br />
só temos uma fornalha antiga e uma mulher a atirar pedaços de<br />
madeira lá para dentro e recordações dos braços<br />
<br />
que noutra altura nos mantiveram<br />
quentes à noitePedro Tiagohttp://www.blogger.com/profile/06571647183074561192noreply@blogger.com0