15.7.14

zoologia

ouçamos os pavões caindo do tecto no chão da sala,
sobre o tapete, partindo os pescoços, cantando,
morrendo. ouçamo-los quebrando nozes com os
bicos, quando é o tempo, os crâneos esmagados
por automóveis na praça, como os crâneos esmagados
por cascos de cavalos, nos sonhos de infância, os
olhos vítreos só já lugares para moscas e pó e formigas
e derrames sanguineos dizendo "no sopé dos montes,
onde o vento é rejeitado pelos muros de pedra e terra,
as janelas não fecham e ouve-se o mar aqui fechado
dentro, como uma alma penada, como alguém que
preferiu ficar em vez de aceitar que se morre"

os pavões cantando, morrendo, caindo do tecto
como insectos mal se instala o verão e o calor no
sopé das montanhas, nas casas caindo de humidade
e de barulho do mar, resistindo sabe deus como
ao vento.

14.7.14

alimentação

j.

ela também precisa de comer ainda que não da mesma
forma pois o amor dos alimentos é maior contra os seus
lábios sobre a sua língua - é 490 vezes maior, é setenta
vezes sete maior
porque é para sempre

ela precisa de comer, de se alimentar, de se manter viva,
mantemo-nos vivos uns pelos outros e por vezes por nós
próprios também e os frutos na boca e na língua e os
dentes nos frutos (nunca os frutos nos dentes) e os dedos
nos frutos, nas cascas, que cheiro a laranja é este? quando
entravas na sala, as gengivas carregadas de frutos em pequena
e agora em maior também, cuspindo os caroços das ameixas
para a mão, apertando-os nos lábios, empurrando-os com
a língua num beijo inverso, a fruta amando-te mas eu
490 vezes, 70x7, para sempre.

8.7.14

dead man

dos suicídios lentos e dos para-suicídios já não
havia muito mais a dizer, por isso substituiam-
-se as palavras por répteis e por pedaços de tecido -
roupa que envelheceu, calças que já não servem -
e os psicólogos não entendem nem de répteis nem
de palavras por isso ficam silenciosos finalmente,
sozinhos a pensar em glandes e em clitóris e
em chupetas na boca de adultos com fraldas.
os cavalos partem em filas em direcção a um
suicídio lento, para serem cola nos trabalhos manuais
dos miúdos da escola primária. os poetas estão todos
doentes e preferem falar de cavalos que de suicídios.