8.12.15

cattleya mossiae

j.

num lugar onde te lembres do pó que comemos
mas também das laranjas
a que chegavas a cheirar na escola e à conta
das quais os miúdos te apontavam e riam
sem que soubessem
pois ninguém sabia ainda
a música luminosa que te nasceria dos olhos
e das mãos e das palavras
ainda que hoje sejam ditas numa outra direcção

num lugar onde caminhes sozinha e já não te
veja nem reflectida nas costas de uma colher de
chá
e não me ouças por necessidade de esconder os
ouvidos à angústia

sempre num lugar onde o amor na água com os peixes
desorientados
e as minhas unhas arranhem areia no fundo do mar
em busca de laranjas ou de palavras que ainda cheguem
até ti mesmo que ténues
farrapos de uma voz animal
com que nos embalámos tantos dias dentro de tantos meses

olha as feridas abertas tão férteis contra os vidros
num lugar onde a memória não se apaga
uma estrela longínqua morta há milénios mas
cuja luz
ainda
até ao fim de parágrafo de um ser humano

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