20.10.15

pá(t)ria

o meu país é uma geração de casas
a cheirar a aranhas, a cheirar a veneno.
o meu país são bêbados a pedir cigarros, putos
romenos a pedir esmola para não
levarem porrada dos pais. o meu
país são pessoas a falar alto nos cafés
sobre motores e mulheres-coisas,
o meu país são trocos nos bolsos
para copos de tinto rasca, são
carros parados nos passeios à
frente das seguradoras, são
velhos a apanhar sol como se fossem
cães, são
botins de vindimar deixados
à entrada das casas. o meu país é estar-se
deprimido porque nos deixaram sozinhos mas
não se poder porque o mais importante
é a televisão e a economia e as contas,
a aritmética completamente deslocada
num lugar onde se deviam dormir sestas e beber bagaço
à noite, um lugar de estranhos abraçados
uns aos outros nas adegas, nos salões
de baile arruinados das casas senhoriais
provincianas. o meu país é um pão
com chouriço a arder num forno de pedra,
o meu país são mulheres que se afastam sobre o mar,
o meu país é um país de esperas,
um país que anela freudiano por uma
salvação escatológica saindo da neblina.
o meu país são bichos cheios de pus e matemática e vozes.
o meu país é uma metáfora, é um
silogismo, é um poema cada década mais
decadente. o meu país é uma dor de ouvidos.

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