23.1.16

retroescavadora

sou uma flor vermelha e preta silenciosa de
amor deslocado. nunca penteei o cabelo, algumas
pessoas dizem-me que gostam dele assim.
não confio nas pessoas, não tomo por verdadeiras as
coisas que me dizem. a verdade é o tabaco a
fazer com que as engrenagens da minha alma
se movam, ainda que à custa da destruição
e da morte do corpo. sou uma flor pisada e
magoada de amor desperdiçado, vermelha e preta,
encarnada e negra; no meu sangue há
óleo e álcool, há corantes e conservantes,
há formaldeído e cianeto de hidrogénio.
sou eu quem fala, quem ri sozinho, doente, no
meio das mulheres nuas, na casa de putas;
sou eu quem grita, quem fecha a porta do
texto às palavras que, de flor, não têm
nada. vejo-me uma flor vermelha, preta, um
peixe prateado reflectindo relva e ar.

21.1.16

palma das mãos à noite

talvez apareça uma outra mulher em cuja luz consiga descobrir o
rosto, também destruída de tanto reconstruir o coração aos
arrastões, violentamente como um pombo batendo no vidro de um
carro. talvez um dia haja uma falésia, um precipício no lugar
da dor de cabeça e alguma casa possa assemelhar-se a um lar,
alguma cama abrigue sob a coberta as mãos que buscam.
haja sempre mãos que no baixo ventre busquem.

18.1.16

k

fui de encontro às colmeias e colhi cera e mel
e passei pelas garotas de dezasseis anos rente
ao rio, rindo e vergastando as pernas umas
das outras com vides secas (doem menos, as
vides secas). não tenho bocas para alimentar, em
casa, um pássaro, um peixe, bichos-de-conta
que às vezes nascem do soalho. nas colmeias
há abelhas desconcertadas com o fumo do tabaco,
fugindo, estrelas cadentes pretas e amarelas,
procurando no intervalo das vides as pernas das
raparigas de dezasseis anos.