24.11.12

cabo

(papá: ainda temos tempo de dar as mãos
no café em frente ao mar e ver as ilhas
no horizonte e acender cigarros atrás
de cigarros [o que se esconde atrás
dos cigarros? o que faz com que os
cigarros atrás de cigarros nos façam
sobreviver aos dias carregados de
nuvens e de lágrimas e ao céu nocturno
sem estrelas?] e beber copos de
brandy e depois dos estalidos com
a língua ["o prazer disto!", dizes,
fechando os olhos] abrir a boca
para "isto é o whisky dos pobres"
e ser o whisky dos pobres em frente
ao mar com os cigarros a secar-nos
os dentes e o oceano todo cinzento
da cor das nuvens ainda temos tempo
de criar raízes e de dar a mão já
adultos e ambas as mãos já mais
ásperas do que quando eras já
adulto mas eu ainda não e tinha
medo nas alturas em que te aproximavas
da orla das falésias porque podias
cair e sabemos os dois que o mar
não vomita os corpos com tanta
facilidade como se vê nos filmes e
talvez aparecesses nas ilhas
talvez o mar te cuspisse nas ilhas e
nesse caso nunca mais te via quando
ainda não era adulto mas tu já
tinha medo que caísses ao te aproximares
da orla das falésias porque a gravidade
e o vento e, papá, hoje ainda temos
tempo de segurar as mãos um do outro
porque a ferrugem do teu sangue
está dentro de mim e já sou adulto
mas ainda tenho medo que caias.)

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