a ternura é um barco que apodrece sem uso junto a uma casa
abandonada numa planície; ridículo sem mar nem água por perto
só a humidade do ar destruindo a madeira e os miúdos correndo
no meio dos escombros, partindo unhas, imaginando oceanos
imensos nos campos de feno, um mar amarelo, muito mijo
ardendo pelos olhos fora. a ternura é uma flor teimosa que
insiste na música da madeira a decompor-se do barco, é um
medicamento contra infecções urinárias a rir-se na cara da
medicina ocidental.
a ternura é as mãos dos poetas velhos a levar cálices de aguardente
à boca, a falar de barcos onde não era suposto que houvessem
barcos, a lembrarem-se de homens e de mulheres que foram
como objectos e decidiram um dia levar as suas metáforas para
outro país menos complicado.
29.10.14
3.10.14
da falta do dadaísmo
os anti-depressivos em cima da mesa de cabeceira e
alguns nas gavetas das cómodas, todos fora do prazo
de validade, como algumas vidas, como em alguns momentos
qualquer uma das vidas, para algumas pessoas,
existir-se aqui, pensar-se no facto de se existir aqui,
as lâminas de barbear descartáveis da wilkinson a
ganhar ferrugem no armário dos medicamentos,
sobre o lavatório, na casa de banho, os pássaros nas
árvores e os gatos à espera, no passeio, mas sempre
os anti-depressivos já a não fazer sentido nenhum, frascos
tombados e meio cheios, máquinas de pastilhas elásticas,
super-heróis de banda desenhada dos anos 60,
kitsch e ridículos, fotografias de mulheres que vêm com
as molduras, girafas no jardim zoológico, gorilas,
leopardos, todos mortos antes de tempo, a não saber
lidar com o fim dos prazos de validade, em cativeiro.
ninguém com quem falar, o telefone fora do descanso
ainda que já ninguém pegue sequer num telefone
só uma ou outra amiga, quando se lhes acaba o saldo
no telemóvel. em casa de avôs há caçadeiras nas paredes
mas aqui só há remédios e tentativas domésticas,
farmacológicas mas sempre domésticas, de panaceia.
alguns nas gavetas das cómodas, todos fora do prazo
de validade, como algumas vidas, como em alguns momentos
qualquer uma das vidas, para algumas pessoas,
existir-se aqui, pensar-se no facto de se existir aqui,
as lâminas de barbear descartáveis da wilkinson a
ganhar ferrugem no armário dos medicamentos,
sobre o lavatório, na casa de banho, os pássaros nas
árvores e os gatos à espera, no passeio, mas sempre
os anti-depressivos já a não fazer sentido nenhum, frascos
tombados e meio cheios, máquinas de pastilhas elásticas,
super-heróis de banda desenhada dos anos 60,
kitsch e ridículos, fotografias de mulheres que vêm com
as molduras, girafas no jardim zoológico, gorilas,
leopardos, todos mortos antes de tempo, a não saber
lidar com o fim dos prazos de validade, em cativeiro.
ninguém com quem falar, o telefone fora do descanso
ainda que já ninguém pegue sequer num telefone
só uma ou outra amiga, quando se lhes acaba o saldo
no telemóvel. em casa de avôs há caçadeiras nas paredes
mas aqui só há remédios e tentativas domésticas,
farmacológicas mas sempre domésticas, de panaceia.
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