27.12.12

gregoriano #1: calendário

onde estão os amigos que o telefone e as cartas
esconderam? os que se furtam à companhia e às
palavras, os que desaparecem para lá de uma
cortina pesada de mofo e de pó? a sua voz, um
ruído de antenas, de insectos, limpa-pára-brisas
velhos em pára-brisas ainda mais velhos. chega-se
à noite e os amigos falam de sob a água, com a
garganta inflamada de sangue e de memórias,
com os dentes sujos de cinza e de terra, com os
dedos a tocar em urzes e silvas secas. não se
percebe o que dizem, os candeeiros têm uma voz
melhor, mais capaz. os candeeiros passam por
cima das metáforas, iluminam, à noite, mas os
amigos desaparecem e não fazem nada, ouvem-se
e são cada vez mais ténues, mais distantes. os
amigos que desapareceram como formigas, dentro
de buracos no chão, para onde se dirigiram? para
longe, para um país mais próprio, onde toda a gente
caminha a olhar de cabeça erguida, como estátuas,
exemplos de cidadania, bichos amestrados que
se sabem comportar uns com os outros. os amigos
adoeceram de tanta saúde, de tanto propósito,
os telefones morrem, o papel para cartas desaparece
no meio da humidade da casa, dentro de caixas e
de gavetas. os amigos desapareceram todos
para o interior de igrejas em ruínas. os amigos
eram ruínas.

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