8.8.13

os dentes de Beth Gibbons

o corpo é um tabernáculo e deve repousar
após inúmeras semanas de solidão e de
desgaste. deve repousar como um mastro
de um navio no fim do oceano, no fundo,
nos intestinos do mar, deve esquecer-se
de como escrever, de como tomar chá
nos cafés vendo as pessoas. o poema não
deve tomar chá e o poema não deve
beber sangue nem vinho; deve estar no
meio disso, na água. porque o corpo
é um tabernáculo silencioso de mãos
em falta, fala directamente com deus e
espera-o; e mesmo que com a vergonha
da distância, com as minúsculas, o corpo
anseia por ser um campo de trigo onde
corram mulheres e crianças e velhos
primeiro, onde os animais consumam
as carcaças uns dos outros. a voz do
poema é um corpo que come sem apetite
no escuro da casa, os olhos muito
metálicos e mecânicos à procura na
superfície da limalha uma estrela de
grotesco. deve repousar como um mastro
assassinado sob as ondas, com os
animais marinhos e o azul; deve ser como
uma colina, como uma onda de terra, parada
na geografia e nos mapas militares. e escalar
o poema deve ser como escalar o corpo,
e escamar o poema deve ser como escamar
um mastro silencioso na solidão do mar,
com todas as lágrimas confundidas e invisíveis
umas nas outras.

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