30.11.13

cianeto

estava de bruços no chão quando os outros homens caçavam aranhas
no escuro e sobretudo no vão de escadas das casas em ruínas. ouvia
as mulheres que cantavam, chorava, agarrado ao apêndice que nunca
mais rebentava de lixo e de ossos minúsculos. ouviu cair um rim sobre
um banco, ouviu os cães arfando com a fome, soube a loucura dos
animais em torno dos tecidos moles do corpo humano; a sofreguidão
com que devoraram o rim sobre o banco. o rim caíra de uma árvore
como se fora um pássaro que não aprende a voar, caiu em linha recta
como uma maçã atingindo a cabeça dos físicos de que a história nos
fala. mas as maçãs não são comida para cães nem para lobos nem para
mulheres. no chão, de bruços, com a face esquerda encostada ao
solo, chorando, agarrando o apêndice, pedindo, rezando ao apêndice
para que explodisse e as mulheres se reunissem numa alcateia à sua
volta e lhe comessem as vísceras, que o plantassem numa cova pouco
profunda e lhe deixassem os dedos dos pés de fora, para que daí
nascessem árvores, acácias, salgueiros, coisas capazes de sombra
e de vergastas que deixem marcas e doam nas costelas e no lombo.

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