3.5.14

arrancar as asas de um besouro

as tenazes penduradas nas paredes e as crianças
dormindo nuas no chão, em frente à lareira, a
sonhar com lagostas de cerâmica, feias, no dia
de anos de um amigo.
se menstruadas, as mulheres fodiam, entregavam-se,
riam-se, cantavam músicas num segredo,
"peido de cona por causa do ar, paredes
infladas de ar no vácuo, processos pneumáticos",
assim cantavam, nos quartos, enquanto os homens
apenas objectos, pois durante as fodas os homens
só estátuas, adereços, paisagens paradas e estáticas,
pensando em pássaros, pensando em recibos e em
tenazes, jamais cantando através do olho singular
da piça, por onde escoa sémen mas também mijo.
as bocas dos homens respirando sôfregas como as
das crianças dormindo em frente à lareira, as
portas todas escancaradas sem medo de que os
outros escutem o remorso da intimidade, a
engrenagem dos corpos desenferrujando poesia e
música como se um rio de óleo nas dobradiças,
como se o amor ocasionalmente fosse um advérbio
de modo, como se fosse uma paisagem descrita
num parágrafo de um livro datado de mil oitocentos
e oitenta e três. nas paredes as tenazes e a
tinta escamando, as bocas das crianças respirando o
chumbo, o amianto, a canalização dos corpos já
fraca, tão cedo, no dia de anos de um amigo,
cheios de sangue e com as mãos a explodir de intimidade.

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