3.5.15

breathing smoke

tivémos um ciclo de tempo, uma mão-cheia de folhas secas,
vimos as unhas entardecer, passámos ao longe nas colinas
enquanto nas eiras as crianças vergastavam as sombras
com vides verdes; comemos um do outro, falámos a gramática
um do outro, fugimos da sombra nos dias de sol e conversámos
sobre o feno sobre as árvores sobre os livros e sobre amónia
de vez em quando. quando nos olhávamos eram essas as
palavras precisas, as nossas mãos uma na outra por dentro
da cidade, por dentro do tempo, mas o tempo nunca parou
como devia, nunca se compadeceu da nossa voz angustiada
pedindo esmola de coração e vísceras e pulmões e nervos.
amo-te como uma catedral serena, comungo-te apesar de
as aves migratórias, apesar de as coisas, de as dores;

quereria saber como pedir perdão como resolver os problemas matemáticos da alma
mas não sei e só me resta confiar-te as margens do meu corpo
da minha idade esperar que não as vergastes conforme o sol lhes aumenta as sombras
esperar que me guardes onde nunca seja escuro nunca seja frio onde o vento
nunca me desoriente os sentidos onde três ou quatro sóis me encandeiem e façam florescer
os dedos

guardei as folhas secas com que entardecemos neste tempo
e posso fazer-te um colchão onde dormir, posso fazer-te um
casaco que te proteja do frio, uma árvore, um brinquedo,
um prato de onde comerás o meu corpo inteiro.

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