11.5.15

«My lament is still rebellious;/despite my groans, his hand is just as heavy.» Job 23:2

a rádio dá chuva, não tenho nenhuma mulher ao meu lado a quem possa pedir
"salva-me disto", procurar uma mãe, uma mão, um húmus em todas as
mulheres que me deixam vê-las nuas e tocar-lhes no meio das pernas com
o encanto de um neófito que fode pela primeira vez. tenho um par de meias
desirmanadas e uma delas desce-me abaixo do artelho, ocorre-me quão
feia é a palavra "artelho" e que existem partes no corpo tão mais hediondas
do que os artelhos, que mal fizeram, para merecer esse nome?

a rádio dá chuva quando devia dar um relato da bola, o vizinho de baixo vê
as notícias e eu só as ouço pela janela, com um par de meias desirmanadas,
uma em cada pé, os homens da meteorologia dão sol e calor enquanto a rádio
no ponto oposto da física, dá chuva, estática, chuva parada a mover-se num ruído
que roça o silêncio. que tempo fará do outro lado do mundo?

o vizinho de baixo tem dois cães e uma mulher a quem deve pedir que
o salve disto tudo, que nunca o esqueça, que lhe aqueça os pés à noite
na cama depois de comer um iogurte de côco e beber um chá verde ou uma
merda dessas. e ficam a ver programas de notícias até ficarem com sono.
duvido que o vizinho de baixo tenha ouvido a chuva estática na rádio,
duvido que alguma vez tenha precisado de ser salvo por alguma mulher
ou por alguma novidade meteorológica. é por isso que eu é que uso
meias desirmanadas (uma em cada pé) e lamento o vazio na cama
e noutros sítios mais distantes que ninguém sabe ao certo onde ficam.

1 comment:

Amanda Vital said...

Meu Deus, Pedro, esse poema é bonito demais... me falta ar. Nossa, amor!