14.5.13

rinite alérgica

hei-de ser como meu pai com apenas
rebuçados nos bolsos. rebuçados e
memórias de outros lugares e toda
uma incapacidade de falar de verbalizar.
os dedos nos bolsos à volta com os
rebuçados já moles do calor e nenhuns
dentes com que os mastigar só gengivas
só bolsos e dedos e cuticulas feridas
e quando no verão os calções
urtigas atrás da torre velha da faculdade
com uma amiga ainda longe desse sítio
de rebuçados a pensar
devia-te ter beijado ou pelo menos
devia ter tentado mas nada
não aconteceu nada e por isso o caminho
implacável da vida até aos bolsos
com os rebuçados e os conselhos de
meu pai coitado quase sempre tão inúteis
quando deus fecha uma porta abre sempre
uma janela
como se a função das portas não fosse abrir e
fechar e abrir porque tem deus de dificultar as coisas?
porque nos mostram contra tudo o que somos
que só merecemos isto se aquilo? por isso
uma vida sozinho só com rebuçados moles
nos bolsos (são locais tão poéticos os bolsos
mesmo vazios - sobretudo se vazios - embora
estes com rebuçados e dedos e memórias de
meu pai) uma vida de onde os amigos se
retiraram pouco a pouco sem nobreza nenhuma
sem despedidas concretas só passos desaparecendo
em direcção a longe até que nem isso só
lembranças de um corpo num espaço agora cheio
de nada - como se bolsos onde nem sequer
nem tampouco
os rebuçados tão como os de meu pai
só para ele só para mim os rebuçados moles
e a partir de uma certa altura nem isso porque a
poesia leva-nos até os dentes.

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