18.2.14

Αικατερίνη

os dicionários não estão convencidos da origem etimológica do
teu nome. os dicionários são autoridades, têm doutas figuras a
segurar-lhes a estrutura -- são uma estrutura, um andaime. existem
umas explicações, só que os dicionários exigem provas concretas,
photos or it didn't happen.

mas, olha: faço isto. atento e preocupo-me a acarinho. noto
que não entendo muito sobre o tempo, já só tenho
dois pares de sapatos, figurativa e concretamente, e
no tempo e no espaço peço-lhes uma utilidade
muito prática: cuidem-me dos pés, nunca
aprendi a caminhar de modo ligeiro sobre o solo.
os sapatos são só objectos, são um substantivo, há
uma substância muito peculiar do que é ser um
sapato, mas não está capaz de mais do que isso --
é  um sapato. o estupor do dicionário tem
a certeza absoluta e incontestável de que um sapato
é um sapato, não há nada que lhe possa pedir, eles
resguardam-me os pés e cuidam deles para que se não
firam nos acidentes do chão. o dicionário não sabe de ti,
é inútil no que diz respeito a isso. diz-me que há umas
santas da igreja a partilhar o teu nome e portanto vem
de um adjectivo grego que se traduz como "puro". em
arménio, outra hipótese sugerida, uma palavra possível
pode ser traduzida como "cume/zénite", adicionando
um elemento grego macarrónico poderia ser qualquer
coisa como "ela é o zénite". repara: estava a falar de
sapatos mas não deixei de falar de ti. os meus sapatos
velhos -- dois pares, só -- custam-me na dimensão
reduzida da concretude a que o dicionário os relega.
se lhes pedisse e o cumprissem, levar-me-iam para
onde estás, de modo a que te dissesse que não te
quero pura nem te quero o cume de nada. chegas-me
no que és, ainda que a autoridade dos dicionários
não o saiba. levassem-me os dois pares de
sapatos velhos que tenho, teria um pomar de lábios
incandescentes pelas tuas pernas acima, uma
redoma de silêncio púrpura para guardar quando
a tua voz existe no tabaco. os sapatos têm onde dormir
mas ao resto da substância de mim faltas-me
como um apêndice de mãos de sangue de electricidade
de saliva. sou um animal sem memória e preciso da
autoridade, da certeza absoluta dos dicionários, essas
estruturas, mas no vácuo tenho-te guardada, nem
pura nem zénite de coisa nenhuma, só lábios e braços
e pele e quente. choro a febre e o reumático dos
sapatos -- são só isso, sapatos. não me podem
guardar de nada. não me guardam. sou um animal
sem memória mas ao contrário dos sapatos carrego-te
na minha substância. posso guardar-te e estou a fazê-lo.

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