3.7.15

maria

tão longe, a lituânia, tão escura, tão pesada, um primo
enviando cartas desde lá, as cartas demorando tanto tempo
a chegar, passam pelas mãos de tanta gente, passam no
esófago e no estômago e nos intestinos das máquinas e
nas asas dos pássaros e caem na caixa do correio;

um primo na lituânia escrevendo, falando, «aqui está
tudo bem, temos pão, temos água, temos amor, nas ruas
existem pessoas, as pessoas que estão na rua não nos
vêem -- ninguém vê ninguém --, comemos às nove da noite,
comemos pão, bebemos água, a luz falta quando faz muito
calor ou muito frio, sentimos a tua falta, espero que a presente
te encontre bem; a tia manda beijinhos.» a tia na lituânia,
tão pesada, já não se lembra da idade em que foi nova
e dançou com homens que não eram o tio, em bailes
e em casas e em festas e em becos, mas essa era uma
dança diferente que enrubesce no rosto (sentimos a tua
falta, a falta do calor das tuas mãos buscando o calor
do meu corpo abaixo da cintura, no escuro da lituânia,
no peso do quarto, atentos aos barulhos do corredor,
aos passos do tio pela casa, com a porta entreaberta
e os lábios)

os lábios tão pesados, os frutos tão escuros, o país tão longe
as mãos as nádegas as mamas a língua
em riste
na pele na boca

tão longe daqui, tão longe, tão longe, tão longe
-- meu deus, há tanto tempo --
(ponto de exclamação)

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