28.1.13

post-it

na quarta-feira, à noite, ainda quarta-
-feira, para nós, quinta, para o resto
do mundo saudável e capaz, a fumar cigarros
atrás de cigarros - um mistério,
a nicotina, à noite -, na solidão das
ruas ou na solidão maior de
nós, as almas desirmanadas,
mal arrumadas nos armários do
corpo, parados à porta da
residência universitária feminina,
a ver as pernas das estudantes
de arquitectura de design de teatro
as pernas bonitas a não pertencerem
a nenhuma mulher concreta, real,
só pernas, nuas, a acabar nas costas,
passando no corredor iluminado
a caminho da casa de banho
a caminho dos quartos
e no fim ou no princípio das
pernas uma ou outra cona, uma maldição,
diríamos, com os cigarros atrás dos
cigarros, flores atrás de flores, para
que seja mais bonito, mais
campestre, mais bucólico, flores
secas, enroladas em papel fino,
no meio dos lábios, uma cona das
caras, uma ferida inútil por onde
ao menos na quarta-feira ainda pode
entrar e sair tabaco (flores, fumo, morte),
nós, tão incapazes, tão destruídos, com
tanto negro nos pulmões, com tanto
desencanto nas unhas, com um ou outro
poema ao fim ou princípio das pernas,
a ver as pernas das estudantes universitárias,
a separar as pernas das estudantes universitárias,
que é isso que o mundo nos pede,
mesmo quando só queremos dar amor
e um abraço, mesmo quando somos
pessoas tristes que estão presas na solidão
assustadora das nossas próprias almas.

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