7.1.13

breviário de teofanias

ficava sentado na sala do capítulo, sozinho,
com os ratos e os livros e com os ratos que
dentro de si já tinham livros, depois de tantos
dias a comer papel, lia os livros e os livros
só tinham morte lá dentro, pelo menos os
que importavam. eram muitos e cheios de morte
mas no entanto a morte nunca chegava, na
sala do capítulo, perdido no meio de corredores
e de um labirinto de outras salas com quadros
de paisagens e de rostos austeros que olhavam
por baixo das sobrancelhas pesadas com um
ar acusatório, do alto da sua beatitude. e
comia tinta e papel quando o pão não chegava,
havia muitos dias em que o pão ficava esquecido
e a água, o vinho, porque era complicado
chegar-se à sala do capítulo. lia poemas no
meio dos livros, mas eram poemas que falavam
baixinho de teorias e de lógicas esquisitas,
de flores secas, todos repletos de flores
amarelecidas, de gavetas fechadas à chave
e nenhuma chave que as abrisse. os poemas
nos livros eram como os livros, só moviam os
maxilares para dizer "morte", mas a morte não
vinha porque na vida há mais coisas que não
se metem nos poemas ou nos livros, e os poemas
ou os livros chegam e não chegam para que se
viva. mas os ratos não sabiam ler e por isso
viviam dos livros, e quando apareciam mortos
às vezes tinham pasta de papel mal digerida
a sair-lhes da boca.

1 comment:

Anonymous said...

mas os ratos não sabiam ler e por isso
viviam dos livros, e quando apareciam mortos
às vezes tinham pasta de papel mal digerida
a sair-lhes da boca.

brutal.

sérgio.