10.6.15

estamos à procura de chaleiras que fervam água com precisão; cansados do amor que magoa no orgânico de nós, a chorar de não haver, afinal, nada que seja um bocadinho mais mecânico, que não saibamos resguardar-nos melhor da loucura; estamos a ponderar a vida num hospital psiquiátrico, "talvez fosse melhor", embora depois nos apercebamos da saliva seca ao canto da boca anos a fio e o cérebro depois de uns meses só um barulho de nervos e de química, sabemos que as pessoas se vão esquecer de nós porque também nos esquecemos das pessoas; não nos esquecemos nunca de algumas pessoas que se esquecem de nós e nos abandonam em orfanatos de uma certa lama existencial, fecham à chave o egoísmo e levam de nós os lábios as pernas os braços o cheiro a pele o corpo. muito mais mecânicas que orgânicas, para quem as vê do nosso lado realmente a não quererem mais saber, distantes como fotografias de velhos mortos há cinco ou seis mil anos atrás, mas a doer mais, a doer imensamente mais, porque aos velhos nunca os conhecemos, nunca lhes tocámos, nunca nos tocaram a nós. estamos à procura de um fósforo que acenda a morbidez de um fogão a gás, que quente contra a ponta dos dedos nos sussurre "vai ficar tudo bem" para que nos possamos rir e saber "nunca vai ficar tudo bem porque o amor"

estamos à procura de estufar o coração com batatas e feijão-verde e água e colorau e louro e ervilhas e cenoura, sozinhos e com vergonha da nudez, com medo dos hospícios, do esquecimento, miosótis à beira da água a ferver num rio de gás, com o calor de um fósforo contra a cabeça dos dedos "vai ficar tudo bem"; uma escada apoiada numa estante, um vidro na planta do pé mas vai ficar tudo bem (não fica).

estamos vestidos com roupa suja e antiga, a mesma de há pelo menos doze anos

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