5.2.13

Homem de Vitrúvio

é altura de o meu útero fazer um ensaio
fotográfico num local apropriado: uma
estrada de campo, com silvas e cardos
e homens e mulheres que falem de toalhas
de mesa; que atravessem pontes ao
entardecer com molhos de vides às costas.
o meu útero está ferido de toalhas de mesa,
de amor desperdiçado em teorias e em
esforços, estoicismos fora de prazo,
fora de tempo. está triste de estar
metido neste século e inventa outros tempos
aqui dentro. tenho um útero seco com
mãos selvagens que arranham e arrastam
o corpo pelo chão, numa estrada de campo,
com silvas e cardos e crianças sujas e grotescas,
belas, expressionistas, cada uma com o
seu útero aprisionado num bico de pássaro
doente. os miúdos desenham uma arquitectura
no chão e comem abelhas vivas, para que
os úteros não morram. o  meu útero, uma
urtiga com saudades imensas de tudo aquilo
que dentro de si poderia ter sido, se
as mãos, os olhos, os lábios feridos
tivessem deixado.

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