25.2.13

oitenta

homens tristes em cuja língua em cuja glote
se engole em seco, gaivotas em cujas penas
uma semiótica para outro país, "feathers",
"sorrows", polissemias variadas em cujas
mãos um sorriso nunca aberto uma ferida
nunca provocada. homens em cujos dedos
pedaços de grafite a desenhar no chão sóis
luas estrelas simples, um traço único, cinco
ou seis pontas, a lua uma bola uma esfera
uma semiótica. homens tristes pendurados
em cabides na rua nos autocarros a chegar
a casa para jantar para comer para conversar
às vezes com ninguém porque isto, enfim,
ter de viver sozinho, ter de aprender,
ter de falar, de abrir a boca, mover os lábios,
limpar os olhos de todo o algodão de todas
as espinhas de todos os ossos e ver claramente
"aqui", dizer, mexer, fazer, ter de, ter de ser
"assim". homens desconjuntados de cujos
pés se soltam uvas, olhos de pessoas mortas,
ao caminharem descalços no cimento. dias
minerais, ónix, sem pássaros sem anfíbios sem
insectos só com homens e mulheres atirados
lá para dentro, a jantarem a falarem a comerem
a pensarem mas a não verem porque remover
o algodão as espinhas os ossos de cima dos
olhos, essas coisas todas um estorvo à vida
ao pragmatismo da vida - as mentiras as ilusões
o amor porque o que importa são os sacos
de plástico a deixar vergões nos dedos
nos autocarros nos comboios, de pé, a
segurar a vida toda muito prática nos sacos
do hipermercado. a glote permite engolir às
vezes em seco e isso não existe mas o amor
também não existe e não deixamos de ir
morrendo lentamente por causa disso.

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