20.2.13

raquel

cheguei aqui cansada, a dizer as mesmas coisas
exactamente as mesmas coisas
a conversar com este homem que me afaga o cabelo
(quem me dera que este homem me afagasse o cabelo)
que me constrói um mosaico com jornais e revistas.
seguro-lhe as mãos e converso, converto,
acredito no que digo - minto. acredito no que
minto, estou cansada, cheguei aqui cansada de
dançar, de comer, de foder de vez em quando
em locais públicos, de vez em quando não, em
locais belos, íntimos, fechados do mundo, cápsulas.
estou uma vírgula um saco de papel a rebentar de
respiração, converso com este homem
(afaga-me o cabelo)
minto a este homem e arrependo-me no momento
exacto em que o faço mas depois de ditas
anos e anos e anos
séculos
como parar as coisas que se soltam? vê-las na
sua vida própria (estás louca), vê-las, observá-las
avançando pelo musgo do ar. cheguei aqui um
pequeno corpo, um pequeno planeta, com varizes
de frio nos dedos esguios, com um saco de papel
para onde respirar caso hiperventile, esta noite não
me apetece levar ninguém para casa mas ao menos
alguém que me afagasse o cabelo, que me dissesse
"amo-te"
que me mentisse
amo-
-te tanto. e me segurasse as pernas no frio.

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